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Um vírus pode sobreviver em um corpo pós-morte? Por Carolini Rosa Ryzy e Matheus Felipe Viante

Uma mudança nos chama a atenção: a nova forma de experimentar o luto, especialmente quando é ocasionada pela Covid.

Por: Poliana Kovalyk

- 12/03/2021 14h00

A pandemia que enfrentamos mudou muitos hábitos e rotinas do nosso dia a dia. Distanciamento social, novos modelos de negócios, home office e ensino remoto são apenas alguns exemplos dos desafios que surgiram e que podem impactar a nossa vida no mundo pós-pandemia.

Entretanto, uma mudança nos chama a atenção: a nova forma de experimentar o luto, especialmente quando a morte foi ocasionada pela Covid-19. Caixões lacrados, ausência de velórios e poucas pessoas no sepultamento foram medidas sanitárias adotadas por muitos países. Essa ausência de velórios e cerimônias funerais acabam intensificando o sofrimento de familiares e amigos devido à privação das ações simbólicas de despedida e a falta de um momento para expressar o sentimento de dor e receber amparo das pessoas próximas. Surge então o seguinte questionamento:

Afinal, é possível um vírus continuar ativo em um corpo morto?

A resposta é sim. Felizmente é apenas uma questão de tempo, pois os vírus necessitam de células vivas para a sua replicação. Vale esclarecer que a morte de um indivíduo não significa a morte instantânea de todas as células, ou seja, algumas células morrem antes que as outras. Estudos mostraram que células-tronco musculares humanas conseguem sobreviver no cadáver 17 horas após o óbito! Portanto, o tempo de persistência do vírus no corpo pós-morte é diferente em cada tecido. No caso de vírus respiratórios, a maior permanência é nos pulmões.

O tipo de vírus é um fator que influencia na sobrevivência dele em um corpo pós-morte. Os vírus envelopados, como é o caso do novo Coronavírus, possuem membrana lipídica para proteger seu genoma e são mais propensos a secar e à ação de agentes desinfetantes, apresentando assim menor capacidade de sobrevivência do que os vírus não envelopados. Temperatura, umidade e carga viral também influenciam no tempo de permanência do vírus ativo no cadáver. 

Em janeiro de 2021 foi publicado um artigo na revista Emerging Infectious Diseases intitulado “Postmortem stability of SARS-CoV-2 in nasopharyngeal mucosa” (Estabilidade pós-morte do SARS-CoV-2 em mucosas da nasofaringe).  Este estudo foi realizado entre março e maio de 2020 no estado de Hamburgo, Alemanha, onde as autópsias são obrigatórias. Os pesquisadores investigaram a estabilidade do novo coronavírus em 11 cadáveres de pacientes com imunodepressão que faleceram de Covid-19 (confirmados pelo teste RT-PCR). Os resultados demonstraram que em 6 cadáveres o vírus continuou se replicando nas mucosas da nasofaringe por um período de até 35 horas após o óbito. Apesar do pequeno número de cadáveres investigados, o estudo indica que há um potencial risco biológico de contaminação viral a partir dos corpos pós-morte.

O primeiro caso de infecção por Covid-19 a partir de um corpo morto infectado aconteceu na Tailândia em abril de 2020, como reportado no Journal of Forensic and Legal Medicine, onde um médico legista foi contaminado durante uma autópsia, provavelmente por alguma falha nos protocolos de biossegurança no manuseio dos corpos. Por isso, o maior risco de contaminação ocorre durante a abertura dos corpos durante as autópsias. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) permite que familiares possam ver a pessoa falecida sem tocar ou beijar o corpo e escolher entre enterro e cremação do cadáver. No Brasil, o Ministério da Saúde publicou o Guia para o Manejo de Corpos no Contexto do Novo Coronavírus, que traz várias indicações, entre elas está que não é recomendado que sejam realizados velórios e funerais de pacientes confirmados/suspeitos da Covid-19. A cerimônia de sepultamento deve ocorrer de preferência em local aberto ou ventilado. Além disso, o indicado é que tenha a presença de no máximo 10 pessoas, respeitando todas as medidas de isolamentos e de etiqueta respiratória. 

Os cuidados também se estendem para os velórios de qualquer morte durante a pandemia, a fim de não gerar aglomeração, por isso devem ser restritos aos familiares e amigos mais íntimos e o tempo de duração deve ser de poucas horas. A realização deve ser preferencialmente em capelas mortuárias devidamente higienizadas a cada funeral, com disponibilização de álcool gel a 70% para higienização das mãos, água, sabonete líquido e papel toalha nos sanitários, além de orientar a restrição de acesso para pessoas dos grupos de risco e pessoas com sintomas respiratórios.

O cumprimento desses protocolos sanitários é importante principalmente devido aos aspectos culturais dos velórios no Brasil, a fim de evitar qualquer forma de aglomeração, contato com familiares que possam estar contaminados e até mesmo o hábito de tocar no corpo da pessoa falecida. 

Enquanto esperamos pela vacina, o que devemos fazer é respeitar todas as medidas de segurança para evitar o contágio com o novo Coronavírus de modo a preservar a nossa vida e a vida das pessoas que amamos, pois sabemos que além da dor da perda soma-se o sentimento da despedida incompleta.

 

Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus COVID-19. Brasília: [Ministério da Saúde], 2020.

Coronavírus: corpos dos mortos por covid-19 podem transmitir a doença?. BBC News Mundo, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-52395178>. Acesso em: 07 de março de 2021.

CORSINI, C. Luto na pandemia: Ausência do ritual de despedida gera traumas e até patologias. Psico.usp, 2020. Disponível em: <https://sites.usp.br/psicousp/luto-na-pandemia-ausencia-do-ritual-de-despedida-gera-traumas-e-ate-patologias/>. Acesso em: 07 de março de 2021.

NISHIOKA,  S. A. Quanto tempo o novo coronavírus permanece viável em um cadáver?. Portal UMA-SUS, 2021. Disponível em: <https://www.unasus.gov.br/especial/covid19/markdown/356>. Acesso em: 07 de março de 2021.