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Racismo: uma das expressões da discriminação social, por Orlando Pilati

Reconhecer o princípio de que somos todos seres humanos, com uma origem comum, é essencial para superarmos os preconceitos e discriminações sociais.

Por: admin

- 03/06/2020 15h12

Em termos da Antropologia e da Biologia existe apenas uma raça: a raça humana. Não há diferença em termos biológicos e em termos da essência que caracteriza os seres humanos, embora grupos e estamentos sejam discriminados preconceituosamente em razão de diferenças físicas ou sociais, culturais e econômicas.

Logo de início, precisamos destacar três componentes do “racismo”:

1) o racismo propriamente dito, que preconiza a hierarquização das relações de poder entre grupos com base na ideia de “raça”, por meio da qual, por exemplo, limitam-se as oportunidades de um dos segmentos “raciais”;

2) o preconceito, constituído por um conjunto de “crenças” e valores pré-concebidos acerca de supostas características “naturais” de grupos “raciais” (e também de gênero, religião etc.) que pode levar um indivíduo ou grupo a ter uma predisposição contrária ou favorável a membros de outros grupos;

3) a discriminação, isto é, a ação social efetiva resultante de preconceito, por meio da qual um indivíduo ou grupo promove um tratamento que visa “desumanizar” indivíduos e grupos vistos (preconceito) como “racialmente” inferiores (racismo).

Ou seja, no contexto das relações sociais e políticas, o conceito de “raça” pode ser utilizado para fazer frente aos membros de outras sociedades (tribos, nações etc.) ou então para criar subdivisões da espécie humana nas “teorias racistas” ou na realidade concreta das relações sociais. Como categoria teórica ou cultural, pode ser mecanismo de defesa, coesão e sobrevivência de um grupo ou sociedade em relação a outra, mas também pode ser utilizada para “justificar” a manutenção de estruturas socioeconômicas discriminatórias, de privilégios políticos e econômicos, divisões diversas que sempre colocam indivíduos e grupos discriminados em situação de inferioridade, portadores de “virtudes” e natureza “menos humanas”. Trata-se de um “conceito” instrumental, portanto, que pode ser mantido com roupagens pseudocientíficas, culturais e econômicas.

No Brasil, em particular, e na sociedade ocidental de um modo geral, o senso comum e acadêmico tende a identificar o “racismo” como tendência de discriminação preconceituosa e de inferiorização de pessoas e grupos que tenham a pele “escura”. Isto é, objetiva e historicamente verdadeiro. Porém, é necessário ter em mente que o “racismo” pode manifestar-se como instrumento que traduz atitudes e comportamentos discriminatórios de um grupo ou classe social dominante contra as mais diversas etnias que sejam “diferentes” física e culturalmente.

Outra característica da questão é que ela afeta a vida particular de cada um de nós, como pessoas e cidadãos. Em meu testemunho pessoal, posso assegurar que nos ambientes em que estudei e trabalhei, públicos e privados, tive o privilégio de não vivenciar situações em que houvesse a manifestação concreta de racismo, mas apenas esforços pela sua superação. Porém, em algumas situações e países, presenciei pessoalmente esse fenômeno tanto de brancos contra brancos, de brancos contra negros, de negros contra negros e de negros contra brancos, entre outros.

Mas é óbvio que precisamos reconhecer que persiste nas sociedades contemporâneas o predomínio da discriminação de pessoas e grupos negros, a maioria relegada ao menor acesso aos benefícios do desenvolvimento social e econômico, ao menor acesso à educação, à saúde e à ciência, ao menor acesso aos mecanismos democráticos de decisão. E a eles se somam outros grupos e pessoas em situações socioeconômicas semelhantes. Ao mesmo tempo, grupos minoritários nazistas e fascistas de países desenvolvidos, nos últimos tempos, que têm retomado princípios xenófobos e discriminatórios contra diversos grupos sociais (Itália, Alemanha, França, USA entre outros).

Por isso é promissor observar a presença de pessoas pertencentes aos mais diferentes grupos étnicos, sociais, econômicos e políticos nas manifestações recentes em todo o mundo (maio e junho de 2020) contra as diferentes formas de racismo estrutural e pessoal. Cada vez mais, os arcabouços jurídicos das diferentes sociedades incorporam princípios concretos contra a discriminação. Esse é o caso da nossa “Constituição Cidadã” de 1988. Ela estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (Art. 5º, caput) e, por isso, “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (XLII, Art. 5º)”. Mas para que isso se efetive na prática é preciso desmitificar a noção de “raça”.

É necessário termos ciência de que “raça” e o seu uso político e discriminatório é uma construção social. Para entender isso, as identidades sociais e culturais (cultura simbólica) devem ser estudadas pelas Ciências Sociais (sociologia, antropologia, política, economia, história), pela Psicologia, pela Filosofia, pelas Ciências Biológicas e por outros campos. Atitudes em defesa dos princípios da democracia (mais do que “democracia racial”) podem e devem ser trabalhadas pelas instituições educacionais de todos os níveis. Reconhecer o princípio de que somos todos seres humanos, com uma origem comum, detentores de uma natureza única, é essencial para superarmos os preconceitos e discriminações sociais.


​​​​​​​Orlando Pilati
Universidade Federal do Paraná – UFPR
UniGuairacá Centro Universitário